Tempo Ruim e Melancolia de Manhã

Antes de amanhecer, acordei, mas não queria sair da cama. Havia algo que me tirava a vontade de encarar o dia e as horas pareciam não passar com toda aquela escuridão. Fiquei me perguntando um motivo para o sol não ter força e aparecer, e pensei que ele deveria estar melancólico e decidiu se levantar mais tarde.

Fiquei, então, ali, sentindo a manhã cinza. Respirei o ar ainda gelado da madrugada e confessei a ele que estava melancólica também, pois você ainda estava presente nos meus pensamentos.

Eu me encolhi na cama, olhando pela janela e imaginando o sol começando a afofar a copa de algumas árvores, para deitar sobre elas. As nuvens cinza estavam dominando o céu, bem mal-humoradas, e imaginei o sol feliz que elas estavam encobrindo tudo; assim ele não teria de levantar e trabalhar. Quisera eu ter a mesma sorte.

Na minha infantil projeção estávamos ambos bocejando, mas o sol e eu continuamos a conversar sobre você na minha cabeça. Contei da doçura que vejo em seus olhos, que o jeito como sorri me faz sorrir também e que você não estava ao meu lado.

Fui interrompida pelas reclamações em voz grave das nuvens, que começaram rapidamente a se espalhar pelo espaço. Um relâmpago riscou o céu de cima a baixo e me fez saltar na cama de susto. De repente o mau humor delas transbordou e começou a chover. Muito. O céu se enegreceu mais ainda e aí mesmo que o sol desistiu de vez de se levantar.

Olhei o relógio e vi que logo eu teria de ir trabalhar, mas ainda restavam alguns minutos de preguiça para aproveitar. Ali continuei mais um pouco, encolhida, com o cobertor até o nariz e olhando pela janela a natureza expressar a chuva eu que carregava em mim, mas que teimava em não deixar chover em lágrimas.


Fernanda Takai - O Ritmo da Chuva

Because You Have Morning Eyes

Because you have morning eyes,
and I would follow them to our kitchen.
I would follow them each sunrise
to the breakfast table, with pancakes, butter and laughter.

Because you have blue eyes,
and I would follow them to our places.
I would follow them in the streets
to our secret corners, with the brick wall houses and black lightposts.

Because you have love eyes,
and I would follow them into your arms.
I would follow them to our bedroom,
to the infinite warmness of your smooth, slow touch.

Adieu

Fazia tempo que não se via uma manhã como aquela. Tão cinza, tão fria. Ana respirava com a mesma intensidade da chuva finíssima que estava caindo. Praticamente imperceptível.

Ver o vidro da janela embaçado lhe deu uma sensação maravilhosa. Era algo que remetia à infância gelada no subúrbio, quando não podia ir para a escola porque a névoa tomava conta das ruas e não se via nem os faróis acesos dos carros. Ela permaneceu sob as cobertas por mais uns minutos, observando a luminosidade que estava um tico menos clara que o usual. O olhar ainda embaçado do sono dava um toque etéreo ao ambiente, como um sonho.

Aqueles tons de cinza invadiram o quarto dela, tentando se mesclar no azul claro da parede. Dessa vez o céu ficaria do lado de dentro, mas ela não podia se dar ao mesmo luxo.

Ana, então, abriu a cortina, abriu o vidro da janela e se debruçou nela, ainda vestindo apenas a camisola de seda. Sentir aquele ventinho cortante a ajudava a acordar, mas ele não estava energético como de costume. Ele pareceu suave demais. Quase não tinha cheiro de árvores, de flores orvalhadas e nem de terra molhada. Aquilo era bem estranho, já que ao lado do prédio de Ana havia uma área verde com flores e eucaliptos. O vento estava um resquício do vento que costumava ser. Agora ele estava apenas frio. Mas isso não era ruim, pois esse vento vazio a fez se sentir leve.

Mesmo com essas diferenças todas a distraindo, Ana se levantou e foi se arrumar para sair. Ela não tinha nada particularmente importante naquele dia, como nos outros dias, mas apenas ela cuidava daquelas banalidades. Ela pensou nessas coisas e viu tudo meio distante. Pareciam planos de outra pessoa, de outro tempo. De algum jeito, sua mente parecia estar alheia a tudo, mas sem perder a capacidade de sentir. De leve, devagar, como se as horas não existissem e só restasse a essência das coisas e dela mesma. A perspectiva de tudo estava diferente. Ela se sentia tão calma…

Ela terminou de se vestir. Colocou os sapatos, o casaco, o cachecol, penteou o cabelo. Deu uma última olhada no espelho, pegou a bolsa e saiu do apartamento. Ao sair do elevador, Ana ouvia os sons como se tivessem baixado o volume do mundo. Carros, vozes, latidos dos cães, tudo era bem abafado. Mas ao chegar à rua, um som foi disparado e a puxou para o que estava ao redor dela. De repente, todos os sons aumentaram. Ela ouviu carros freando bruscamente e pessoas gritando. Quando se deu conta, ela estava no chão e o porteiro estava ajoelhado ao seu lado, perguntando se ela podia escutá-lo.

Ana olhou para si mesma e viu todo aquele sangue. Um carro havia acertado Ana. Foi tão rápido que ela demorou para processar o que havia acontecido. Ela tentou acalmar o porteiro que tentava desesperadamente chamar uma ambulância. Mesmo o sangue sendo assustador, ela disse a ele que estava tudo bem, que não sentia dor alguma.

Depois de poucos minutos a sirene da ambulância se aproximava, os paramédicos abriram caminho até ela, pedindo aos outros para darem espaço. Estava uma confusão dos diabos, mas Ana não entendia o porquê, afinal, ela estava bem. Tão bem quanto antes de sair de casa, talvez até melhor.

Podia ser estranho, mas as coisas pareciam cada vez mais calmas dentro dela. O impacto devia ter sido só um susto, ela tinha certeza. Ana estava calma, leve… Ela até ousou pensar que estava feliz. Naquele momento, Ana reconheceu tudo que estava estranho desde que acordou. Ela havia de fato terminado tudo que tinha para fazer. Era hora de ela descansar e passar aquelas tarefas para outras pessoas. Ana fechou os olhos e se despediu da última manhã cinza e chuvosa que ela veria.

– Ela está sem pulso! Estamos perdendo a moça!

Um Piano E Uma Vontade

Os lençóis se embolam entre nossas pernas. Está calor e acabamos chutando-os para longe. A lâmpada está apagada e a janela aberta, deixando as luzes de fora decidirem nossa visão dentro do quarto.

Puxo-te para mais perto, mais colado… Quero assim, mais cheiro, mais pele, mais toque. Seu rosto se define em sombra e luz. Minha mão não resiste em auxiliar meus olhos nessa definição. Seus músculos, seus traços vão se ligando aos meus dedos com suavidade, dedo por dedo, mas de forma um tanto elétrica.

Minha boca se junta nessa missão de marcar seus caminhos com carinho, deixando beijos por onde passa a fim de colher amostras de sabor. Meu olhar colhe seus sorrisos como frutos maduros, cítricos com sua voz rouca. Seu som acaba estimulando o meu sorriso a aparecer também.

Meu beijo, então, se enche de vontade e transborda da minha boca na sua, bem rápido, nem tive tempo de pensar em impedir... Não se impede beijos de chegar a lábios como os seus, seria pecado. Pecado deixar separada a pulsação de cada peito. Duas pulsações tão fortes, ansiosas, que só se acalmam quando sentem a presença uma da outra na junção dos nossos corpos.

Morta? Eu?

Pensei que não levantaria mais. Dessa vez havia me cansado definitivamente de toda a ignorância, da covardia alheia, daqueles olhares mesquinhos que tanto me atacavam. Pensei que não valeria o esforço de tentar mostrar algo novo, tão claro e óbvio, para as pessoas que cruzam meu caminho. Esforço que também fazia por mim, porque também preciso crescer. Mas eu estava cansada.

Deitei-me por dias, semanas. Queria enterrar meu corpo, esta carcaça que ainda respirava contra a minha vontade e fazer meus pulmões cessarem. Pensei em desistir de tudo. Desistir de todos. Desistir de mim. Tentei desligar meu pensamento, segurei meu coração com as duas mãos, apertando com toda a força que tinha para fazê-lo parar de bater. Pensei que se eu fechasse os olhos, o que eu tinha visto perderia a importância. Sim, fui ingênua a esse ponto, mas a vergonha que sentia por não querer mais pregar no deserto era mais do que podia suportar.

Então, eu me forcei a dormir e assim fiquei. Inerte e fria numa cama, num quarto de janelas fechadas. Em silêncio no mais completo breu. Coração ainda apertado, pulmões no ritmo mais lento possível. Tum, tum. Tum, tum. Tum, tum… Tum… Tum… Tum… Meus sinais vitais estavam tão baixos que quase desapareceram. Pensei que podia ficar surda se quisesse, bastava ignorar, assim ficaria indiferente àqueles que me chamavam. Repeti a mim mesma que nada estava acontecendo, nada que precisasse que eu levantasse. Nada.

Quis me esvaziar totalmente. Rejeitei a fome, recusei a dor, mandei embora o resto de amor que insistia em dizer meu nome. Pensei que o que restava dele era o que restava de mim naquele momento. Um ser maltrapilho, sujo e hipócrita que não tinha mais serventia nenhuma. Pensei que se permanecesse muda, ele não reconheceria mais a minha voz e me deixaria em paz. Prendi a respiração. Torci para que não ouvisse meu coração e seu bater débil. Ele não podia me encontrar, não de novo. Não queria, não tinha forças para nada disso mais e ele sabia. Não era justo… Não… Por favor… Mas chorei e a respiração explodiu na convulsão. Porra! Pensei que já estava morta!

BSO Dracula. Track 6- The Storm

Declaração de uma menina

Como o trigo é para a raposa e como o beijo é para a boca. Como o sol é para o dia e como a rima é para a poesia. Como a estrela é para a abóbada celeste e como a fé é para a prece. Como a música é para a trombeta e como Romeu é para Julieta (mas sem essa coisa toda de morte). Assim, bem assim, é que você é para mim.

Kym Mazelle - Young Hearts Run Free
(Romeo + Juliet Original Soundtrack)

Cici

Todo mundo diz que você é a minha cara. E isso é meio agridoce, devo confessar. Olhar para você me lembra de cada coisa boa que eu tive na minha infância. As músicas, cantorias e danças. Os jogos, os brinquedos, os primos vindo visitar e, de repente, a casa fica cheia de risadas (e ocasionalmente choros também). Eu vejo o seu cabelo cacheado bagunçado quando você acaba de acordar e penso que você é a menina mais bonita do mundo. Até quando você não quer se trocar e escolhe usar uma fantasia de Sininho por cima do seu pijama de dinossauros. Você me lembra de tudo que eu tinha de bom dentro de mim e que se perdeu no caminho. Às vezes isso me faz querer chorar, mas me dá esperança também. Sabe, eu não conseguia me lembrar dessas coisas. Eu não me lembrava das cores, cheiros e sons. Da graça das coisas. Mas você me faz lembrar de quem eu era. De quem eu deveria ser. Talvez agora eu possa resgatar aquela pessoa e deixar a adulta amarga e pessimista para trás e me tornar (de novo) alguém mais amável e esperançosa. Você merece isso. E, honestamente, eu mereço também.

> 03 de maio de 2020 - texto escrito no sofá com você sentada do meu lado, com a cabeça deitada nas minhas pernas.

Supertramp - My Kind Of Lady


Bilhete Romântico de L a S

 Steff, escovo os dentes para falar contigo por telefone. Uso perfume para conversar contigo pela webcam. Quando estivermos na mesma cidade, capricharei na calcinha ao sair de casa.

 

Biquíni Cavadão - Quanto Tempo Demora Um Mês

Horas

As horas ficam mais preguiçosas quando sofremos.

Pink Floyd - Time

Tempo Ruim e Melancolia de Manhã

Antes de amanhecer, acordei, mas não queria sair da cama. Havia algo que me tirava a vontade de encarar o dia e as horas pareciam não passar...